Friday, December 28, 2007
Desespero
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.
Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.
Não fui eu que te quis.E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.
Ary Dos Santos
Thursday, December 20, 2007
A cada não que dizes
Deita-te em mim,
Descobre onde estás,
Escuta o silêncio,
Que o meu corpo te traz
.Não me deixes partir,
Não me deixes voar,
Como um pássaro louco
Como a espuma do mar.
Sente a força da noite
Como facas no peito,
Como estrelas caídas
Que te cobrem o leito.
Tenho tantos segredos
Que te quero contar
E uma noite não chega,
Diz que podes ficar.
Dá-me o tempo,
Dá-me a paz,
Viver por ti não é demais.
Dá-me o vento,
Dá-me a voz,
Viver por ti,
morrer por nós.
Enfim nós os dois,
Os teus gestos nos meus,
Perdidos no quarto
Sem dizermos adeus.
Adiamos a noite,
Balançamos parados,
Pela última vez
Os nossos corpos colados.
Sente a força que temos
Quando estamos assim,
Um segundo é o mundo
Que nos separa do fim.
Porque tens de partir
Quando há tanto a dizer?
Eu não sei começar,
Não te quero perder.
Refrão(Eu gosto das formas que tomas
,Como o toque do cristal,
E dos vidros, dos poemas,
Da febre do metal)
Wednesday, December 12, 2007
Sunday, December 02, 2007
Sunday, November 25, 2007
Noctícula
Na altura da queda de todos os dias,
Da altura da queda de todos os dias,
Esticarei o braço curvado em raiz,
Corrupto nas pontas que me servem de olhos na queda,
De dedos de tremer, de amparo que rasga,
Para quando chegar ao chão
Se disperse o nada de mim e infecte o tudo dos outros.
Quando cair
Na altura da queda de todos os dias,
Da altura da queda de todos os dias,
Vou agarrar uma partícula da noite.
E consegui-la apertar na mão em garra doente.
Apertar até fechar com os dedos por fora do que está dentro
E levá-la comigo, secretamente.
Na garra bem fechada, na mão de eclipse que contém eclipse.
Vou levá-la para entrar nela sempre que quiser.
Para entrar nela e me esconder de ti
Mesmo sabendo que tu me vês.
Em qualquer noite em que eu esteja.
Fernando Ribeiro " As feridas essenciais"
Thursday, November 15, 2007
Thursday, November 08, 2007
Estou olhando para as coisas mas sem as querer ver
Porque quero ver além do olhar espontâneo e imediato
Em que cada coisa se projecta
Sem tempo para suspender ou para dela desviar os olhos
Mas o que há para ver além das coisas?
Toda a evasão implica um retorno às coisas
Estamos implicados nas infindáveis relações
Dos objectos e não conseguimos ser simples ou elementares
Uma retórica incessante domina a nossa mente
É óbvio que não há nada para ver além das coisas
Mas há o desejo de ver não sabemos o quê
Os valores vivos não estão além das coisas
E não estão também nas coisas
Mas entre o silêncio e as palavras
Entre o silêncio das coisas e o silêncio do nosso olhar
Escrever é tentar ser a voz silenciosa
Desse infindável silêncio que é luz e espaço e nada é
Senão luz e espaço lenta vacuidade de um instante puro
António Ramos Rosa " Deambulações Oblíquas"
Tuesday, October 23, 2007
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré da manhã com que
todos os náufragos sonharam.
Nuno júdice "O Movimento do Mundo"
Wednesday, September 26, 2007
Ficam as sombras
Depois do corpo,
E da alma,
E do nome,
E da terra da própria sepultura,
Fica a memória de uma criatura
Que viveu,
E sofreu,
E amou,
E cantou
E nuca se dobrou
À dura tirania que a venceu.
Fica dentro de vós a consciência
De que ali onde o mundo é mais vazio
Havia um Homem.
E sabeis que se comem
Os frutos da recordação …
Fantasmas invisíveis que atormentam
O sono leve dos que se alimentam
Da liberdade de qualquer irmão.
Saturday, September 01, 2007
Sobre os amantes anónimos de Pere Lachaisse
me surge velada de ternura,
por que pousas a tua asa tão pura
na pedra húmida, fria e dura?
Porque não me dás a tua mão
para que eu a beije, entre os dedos,
procurando que a emoção
me revele os teus segredos?
Ajuda-me a ouvir, no vento
o eco de um antigo lamento:
murmúrio que o amado deixa
no túmulo que do silêncio se queixa;
e empresta-me a verde imaginação
da jovem pálida e sublime
cantando, numa sonora floração,
esse amor que a matéria oprime.
Nuno Júdice " Obra Poética"
Tuesday, August 07, 2007
Às vezes vemos o quarto oval coberto de espelhos, o corpo do desejo deitado na cama majestática que lhe ocupa o centro. Há já muito tempo que explodiram aqui todas as nossas fantasias, mas agora apenas apagamos devagar as velas, uma por uma, mantemos os olhos baixos e descemos no escuro a escada que vai ter ao alçapão. Sabemos que por trás dele alguém conforme o combinado espera a nossa saída para poder subir, ansioso radiante, por nós encoberto.
Às vezes sabíamos que seríamos felizes, porque era nossa a parte de glória de um segredo que não podia pertencer a mais ninguém. Todas as outras linhas da paixão são normais e mencionáveis.
Canções das crianças mortas- jose afonso furtado e clara pinto correia
Thursday, May 03, 2007
atraiçoou o meu orgulho.A noite insurgiu-se contra mim.
Não!Não!
Há uma revolta de vinte anos na memória da minha infância.
Confesso o martírio que é para mim,conservar o cheiro aro-
mático de um guardião de incenso.Visitei no hospital leitos de
padres,aparentando com o meu choro um amor monstruoso.
Sonhei perpetuar a diversão de existir vagabundeando no engano da vida.
A minha vida gastou-me!
Orgulho-me de sentir,como tantos outros,o dever de ser
dispensado.Vejo atroar a luz do galope...a oração vagarosa da
ciência conhece-me. Fugirei à recompensa futura da noite?
Ah!devagar,mais devagar!
Nuno Júdice "Obra poética"
Friday, April 13, 2007
Insónia
Caminhamos e parece tudo morto: o tempo, ou se cansou já desta longa caminhada e adormeceu, ou morreu também. Esqueci a fisionomia familiar da paisagem e apenas vejo um trémulo ondular de deserto, a silhueta carnuda e torcida dos cactos, as pedras ásperas da estrada.
Chove? Qualquer coisa como isso. E caminhando sempre, há em redor de nós a terra cheia de silêncio.
Será da própria condição das coisas serem silenciosas agora?
Carlos Oliveira
" Quinze poetas portugueses do séc. XX "
Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e quando o compreendam, hão-de esccrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal acontecesse. E o que escrever isto será na época em que o escrever, incompreendedor, como os que me cercam, do meu análogo daquele tempo futuro.
Porque os homens só aprendem para uso dos seus bisavós, que já morreram. Só aos mortos,sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver.
Na tarde em que escrevo, o dia de chuva parou.Uma alegria do ar é fresca de mais contra a pele.O dia vai acabando não em cinzento, mas em azul pálido.Um azul vago reflecte-se, mesmo,nas pedras das ruas. Dói viver, mas é de longe.
Sentir não importa.Acende-se um ou outra montra.
Em uma outra janela alta há gente que vê acabarem o trabalho. O mendigo que roça por mim pasmaria, se me conhecesse.
Bernardo Soares " O livro do Desassosssego"
Tuesday, March 06, 2007
Promete a ti mesmo
Fala de saúde,felicidade e prosperidade a todas as pessoas que encontrares.
Faz sentir aos teus amigos que há alguma coisa de superior dentro deles.
Olha para o lado belo de todas as coisas e faz com que o teu optimismo se torne uma realidade.
Pensa sempre no melhor,trabalha sempre pelo melhor e espera somente o melhor.
Esquece os erros do passado e prepara-te para melhorares realizações no futuro.
Tem tanto entusiasmo e interesse pelo sucesso alheio como pelo próprio.
Dedica tanto tempo ao próprio aperfeiçoamento que não te sobre tempo para criticar os outros.
Sê grande na contrariedade,nobre na cólera,forte no temor e recebe alegremente a provação.
Faz um bom juízo de ti mesmo e proclama este facto ao mundo,não em altas vozes,mas com grandes feitos.
Vive na certeza que o mundo estará ao teu lado, enquanto lhe dedicares o que há de melhor dentro de ti mesmo.
Friday, January 05, 2007
Não basta
- é preciso viver juntos o caminho que se anda.
Não basta comer à mesma mesa
- é preciso amassar o mesmo pão.
Não basta ir atrás dos outros
- é preciso ir com os outros.
Não basta resolver os problemas dos outros
- é preciso amar os outros e os seus problemas.
Não basta caminhar no mesmo sentido
- é preciso dar um sentido a caminhos diferentes.
Não basta rezar todos a mesma oração
- é preciso rezar a mesma oração com todos.
Só assim o AMOR habitará na nossa terra