Sunday, November 25, 2007
Noctícula
Na altura da queda de todos os dias,
Da altura da queda de todos os dias,
Esticarei o braço curvado em raiz,
Corrupto nas pontas que me servem de olhos na queda,
De dedos de tremer, de amparo que rasga,
Para quando chegar ao chão
Se disperse o nada de mim e infecte o tudo dos outros.
Quando cair
Na altura da queda de todos os dias,
Da altura da queda de todos os dias,
Vou agarrar uma partícula da noite.
E consegui-la apertar na mão em garra doente.
Apertar até fechar com os dedos por fora do que está dentro
E levá-la comigo, secretamente.
Na garra bem fechada, na mão de eclipse que contém eclipse.
Vou levá-la para entrar nela sempre que quiser.
Para entrar nela e me esconder de ti
Mesmo sabendo que tu me vês.
Em qualquer noite em que eu esteja.
Fernando Ribeiro " As feridas essenciais"
Thursday, November 15, 2007
Thursday, November 08, 2007
Estou olhando para as coisas mas sem as querer ver
Porque quero ver além do olhar espontâneo e imediato
Em que cada coisa se projecta
Sem tempo para suspender ou para dela desviar os olhos
Mas o que há para ver além das coisas?
Toda a evasão implica um retorno às coisas
Estamos implicados nas infindáveis relações
Dos objectos e não conseguimos ser simples ou elementares
Uma retórica incessante domina a nossa mente
É óbvio que não há nada para ver além das coisas
Mas há o desejo de ver não sabemos o quê
Os valores vivos não estão além das coisas
E não estão também nas coisas
Mas entre o silêncio e as palavras
Entre o silêncio das coisas e o silêncio do nosso olhar
Escrever é tentar ser a voz silenciosa
Desse infindável silêncio que é luz e espaço e nada é
Senão luz e espaço lenta vacuidade de um instante puro
António Ramos Rosa " Deambulações Oblíquas"