Sunday, October 15, 2006

Nomeio o mundo

Com medo de o perder nomeio o mundo,
Seus quantos e qualidades,seus objectos,
E assim durmo sonoro no profundo
Poço de astros anónimos e quietos.

Nomeei as coisas e fiquei contente:
Prendi a frase ao texto do universo.
Quem escuta ao meu peito ainda lá sente,
Em cada pausa e pulsação,um verso.

Vitorino Nemésio "Quinze poetas portugueses do séc.XX"

Ulisses

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo-
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este,que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida,metade
De nada,morre.

Fernando Pessoa"Quinze poetas portugueses do séc.XX"

Sunday, October 01, 2006

Proposta de vida

A coisa mais injusta é a maneira como ela acaba.A nossa existência deveria justamente começar pela morte.
Os primeiros anos seriam passados num lar de terceira idade,até sermos expulsos por sermos novos de mais.
Alguém nos ofercia um relógio de ouro e um Ferrari e íamos pegar no trabalho durante 40 anos,até sermos suficientemente novos para para nos reformarmos.Então desatávamos a experimentar drogas leves;alcóol e muito sexo até ficarmos miúdos.Nessa altura poderíamos começar a brincar todo o dia e gozar o facto de não termos qualquer responsabilidade.
Finalmente,chegados a bebés,voltávamos para o conforto da barriga da mãe,gozávamos um magnífico banho de imersão durante 9 meses e acabávamos com um orgasmo!!

O viandante

Trago notícias de fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu,miséria,persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu,miséria,ficaste.
Foi-se a noite,foi-se o dia
fugiu a cor às estrelas:
e,estrela nos campos tristes,
só tu,miséria,nos velas

Carlos de Oliveira "Mãe pobre"